quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Ao Gabriel, com carinho



Porquês, motivos, razões ou circunstâncias

Atender com um sonoro "ei, meu bem!"
Dividir risadas debruçado nos balaústres do 716
Deixar que eu desfie estampas de blusas inusitadas
Virar o ano aceitando a ausência de bordas de catupiry
Candidatar-se pro porta-malas como se fosse tudo de bom
Assistir juntos ao Fantasma da Ópera
Retornar pacientemente os 9090
Contar a vida
Escutar uma vida.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Elos fracos


Lanchonete suja, logo àquela hora da manhã. Movimento intenso. Só o funcionário sozinho não consegue catar aqueles papéis antes que o freguês recém-chegado jogue outros dois por cima. Pra salgados muito gordurosos, eu, por exemplo, preciso de no mínimo uns cinco. Fora aqueles pra limpar a boca. O gari continua varrendo a porta da igreja. É, dizem que tem plantão de madrugada. E é bem capaz de aqueles serem os últimos minutos do expediente dele. Ficou ali na madrugada, no frio. Quando eu voltava da pizzaria, com o pessoal lá de casa, e via as janelas da rua fechadinhas, com cortinas cerradas e luzes apagadas, ficava imaginando como seria bom aquele escurinho. Dormir quentinha, num quarto gostoso. Ficava doida pra chegar em casa e fazer o mesmo, mas ainda faltavam dois quarteirões. Será que o gari sente o mesmo? Deve sentir. Imagina, ainda ter que ir pro ponto de ônibus e esperar mais uns 50 minutos até em casa. Eu tenho sorte. Reclamo demais. E aquela moça ali na praça? Logo cedo, com aquela saia. Hoje tá friozinho, ela deve tá sentindo frio. Os pêlos da perna devem estar arrepiados. Parece que ela também passou a noite ali. Possivelmente trabalhando. Como o gari. Mas não na mesma coisa. Trabalhando. Os cabelos desgrenhados. Um loiro desbotado, com a raiz negra. Mal-cuidado. Dá vontade de conversar, saber a história daquela noite. Aliás, essa coisa de história das pessoas. Todos os dias, milhares de pessoas se cruzam umas com as outras. As histórias delas também. Clarissa Dalloway tinha uma teoria interessante. Como é que era? Achei meio complicada, tive que ler o parágrafo umas três vezes. Meio que a sua vida se completa na do outro. Essas histórias indizíveis, uns dos outros. Parece aquela fila de formiguinhas. De vez em quando eu gostava de deitar na cama, olhar pro teto e observar a fila delas. Toda vez que duas se encontram, param. Coisa de um segundo, mas param. Sempre imaginava o que uma falava pra outra. Depois disso, seguiam religiosamente a trilha. Diferentes, mas todas iguais. Iguais a gente mesmo. Aquele pessoal da Antônio Carlos, por exemplo. Pessoas iguais a nós. Mesma constituição corpórea, jeito de andar e lugar garantido na Constituição de 88. Mas estão ali, dormindo naqueles colchões. Onde será que eles arrumam? Os cães devem ser da rua, também. Eles também são pessoas de rua. Credo, que estranho. Parece que são amigos, eles. Dormem todos juntos, afinal. Sob a mesma marquise. Intimidade de sobra. Os vidros da Avenida são quebrados. É difícil achar um lugar que pareça habitável ali. Cheio de sobrados e vidros quebrados. Se bem que já vi algumas plantas na mureta. Estavam verdes, então é sinal de que alguém jogava água. Cortinas na janela também denunciam. Pra saber se a casa está habitada, tente o truque da cortina. Sempre dá certo. Nossa, é o próximo ponto. Vou dar o sinal.