quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Aspas #9


"O xerox é a expressão pós-moderna da condição de saber".

(SALEJ, Sílvio. Aula de Sociologia III. Belo Horizonte: Fafich. 2009)


segunda-feira, 3 de agosto de 2009

A venda

A venda do Seu Fernando é um lugar agradável. Coisa de interior mesmo, do legítimo. Na esquina, uma entrada em cada rua. Porta de ferro, barulhenta pra fechar. É preciso puxar com força e impor um cadeado na marra. Pra calcular, máquina antiga, alimentada por rolos de papel branco. Ruidoso barulho de impressão matricial e primórdios dos mostradores luminosos. Um pouco de tudo ali: sabonetes Iara, arrozes Tio João e mesmo pacotes de carvão Quentume. Sobre aquilo que se pode chamar um refrigerador já antigo, de portas grossas e resfriamento duvidoso, pihas de potes de doces. Cocadas, cajuzinhos e pés-de-moleque um em cada vasilha de plástico, ao lado de pirulitos coloridos de sabor artificial vermelho, azul e verde. Vassouras de tiras de plástico pet entrelaçadas com rodos de madeira desfiante, que enchem os dedos de farpas. Prateleira de filtros de barro Santa Tereza. Luzes amareladas incandescentes iluminam um cômodo de não mais que dezenas de metros quadrados, em que as divisórias entre os artigos à venda não são mais que os olhos do cliente astuto. Lugar onde o bombom ainda não ultrapassou a metade do real, os pães são na unidade e as etiquetas auto-adesivas são artigos de luxo. Um quadradinho de papel escrito no avesso, um pincel e uma fita durex já bastam. No fim de tarde, doses de cachaça e de café quente, fumegante na cozinha do dono, ali do lado, são os maiores atrativos. O sujeito leva uma pipoca de saco cor-de-rosa para a menina. Tem que estar crocante, senão ela joga no chão. Cabelos brancos já denunciam a velhice do estabelecimento. Óculos de aros grossos,e lentes embassadas também. Na mesma sacola em que se leva a garrafa vazia da bebida, o vasilhame cheio vai embora. A gaveta de dinheiro não permite bagunça: os compartimentos de madeira estão marcados pra sempre com traços pretos e grossos. Um real, dois reais, dez reais. É quanto a garrafa? Um e setenta. Com trinta centavos, já vou embora. "Tem mais menina, volta aqui", garante. Me entrega os outros oito.