sábado, 25 de abril de 2009

As horas de Mrs. Dalloway


O tempo, de todos os lados. Multidimensionado. De um e de outro, de ninguém, de todos. A maestria com que Virgínia Woolf regeu o tempo em Mrs. Dalloway provoca arrepios. Não é à toa que, se não se chamasse o nome da protagonista, o livro seria As Horas. Nome que, aliás, Stephen Daldry tomou emprestado para o filme em que relê livremente Mrs. Dalloway.

Pouco menos de dez horas em mais de duzentas páginas. Uma distensão embevecida. Clarissa Dalloway está às voltas com os preparativos para a recepção que vai dar em sua casa à noite. Simples, mas extremamente complexo. Poucas horas de convívio com os personagens são suficientes para conhecer as entranhas dos que cruzam com Clarissa durante o dia, aquele longo dia. O tempo de cada um. Cruzam-se como numa teia, tão entremeada como a relação de Clarissa com aquelas pessoas.

Em belíssimos fluxos de consciência, o narrador é como um ser invisível que vai aos poucos capturando fios de pensamento, tão desconectadamente conectados. Digamos que as passagens num mundo objetivo são poucas. Clarissa passa apressada pela praça; precisa voltar pra casa. Lucrezia e o marido Septimus no banco da mesma praça; seu marido não está bem. Breve encontro físico, início de um longo encontro de consciências.

Não há necessidade de retomada histórica. A História está ali, até mesmo nas influências que a I Guerra Mundial decerto teve sobre Virgínia. Ou na Londres do início do século passado. O escritor não é produto, mas parte integrante de seu tempo, bem como a obra. E a história de cada um que compõe Mrs. Dalloway também se desdobra na narrativa. No flux0 de seus pensamentos. Seus tempos de vida nos aparecem ali, no instante mesmo em que as pessoas se esbarram. Tempo da história e da narrativa se convergem no pensamento daquelas pessoas.

O tempo da leitura dilui-se naqueles apresentados de maneira tão inovadora por Virgínia, em pleno início do século XX. Escritora revolucionária até nesse sentido. Feminismo à parte, a mulher inova no fazer narrativo, na desconstrução da tradicional maneira de narrar. O crédito não vai só a ela, mas certamente ela faz por merecê-lo. À primeira vista (ou leitura), um pouco de estranhamento. Dificuldades talvez em acompanhar aqueles raciocínios tão meticulosamente construídos. É preciso dar tempo ao tempo. Quando se vê (ou lê), o leitor já está compatível com o(s) tempos(s) do livro. Mesmo que se gastem meses.

Mrs. Dalloway pouco progride no enredo de fato. Se Clarissa está casada com Richard, é mãe de Elizabeth e tem histórias mal-resolvidos com Peter e com Sally, assim o será sempre. É como se aquelas vidas já existissem e o narrador fizesse um corte temporal. Naquele presente, somos levados a lembranças e expectativas, passado e futuro dos personagens. Que se condensam e cristalizam no instante mesmo em que nos aparecem. A festa de recepção de Clarissa Dalloway vem para selar aqueles tempos. Nada será como nos tempos de juventude da Mrs. Richard, mas tudo pode ser como agora.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Fragmentos de tardes





Isso é pra discutir em Semiótica.

Dando nomes
apriosionamos
a liberdade natural
das coisas.

Dieter Ross


Ou talvez pra conversar com vovó.

Pontos e linhas
retas e curvas
o crochê é mesmo uma matáfora do tempo

Eva Pereira



Extraídos de um ônibus. É, um ônibus. O Programa de Extensão A tela e o Texto, da UFMG, desenvolveu a criativa idéia de mapear algumas linhas importantes na capital e amarrar lâminas literatas em cada banco. É o projeto Leitura para todos. Parece simples, mas pode tornar mais interessante um fim de tarde calorento e abafado em um 5102. A proposta é disponibilizar aos pegadores de ônibus textos de autores brasileiros quase sempre nem tão conhecidos, mas proporcionalmente interessantes. Uma folha A4 plastificada apenas, e que agrada na sua simplicidade.