segunda-feira, 26 de maio de 2008

A carona podia esperar

A menina atravessou depressa a rua. O seu ônibus passaria do outro lado da calçada e ela não sabia o horário. Em dia de sábado os horários mudam, ficam mais espaçados, e ela havia se esquecido de olhar no site quando passaria outro.

Com uma mochila nas costas e sacola em uma das duas mãos, com o presente recém-comprado de dia das mães dentro dela, ela enfim conseguiu atravessar, em meio àquele mundo de veículos que só as capitais conhecem. A pressa era grande: a carona para a sua cidade de origem ia sair dali a 20 minutos, de um ponto bem distante dali. Além disso, tinha que considerar o trânsito que, em vésperas de datas como aquela, tendia a ficar mais cheio. Também, não queria passar vergonha com o primo, que lhe dava a carona, bondosamente, todas as vezes que ela pedia.

Inquieta e já no ponto, ocupado por idosos, adultos e crianças, ela virava incessantemente a cabeça para a direção da qual o ônibus viria. Tirava o celular da mochila: 15 para as uma da tarde. Nem sinal de ônibus. Só faltava o 2004 não passar aos sábados. Pronto. Aí complicava. Como ia fazer para avisar o primo que iria atrasar, sendo que, para variar, não tinha créditos em seu celular? Ele ia perceber a demora e iria ligar. Aí ela ia ter que se desculpar até, dizendo do trânsito, do erro de ônibus, e que já tinha saído de casa tarde pra comprar o presente da mãe, já que...

Aí, percebeu ao lado dela uma senhora. Assim, devia ter uns 75 anos. Cabelos grisalhos e crespos, pele mulata, vestida de cinza e carregando sacolas. Numa delas, dava pra ver um ramalhete simples, de flores frescas. Pelo olhar determinado dela, na mesma direção que o da menina, ela parecia utilizar sempre aquele ponto.

-A senhora sabe se o 2004 passa mesmo aqui? Estou esperando há dez minutos e ele não chega... Tô com medo de ele não passar.
-Ele vai pra onde?
-Para a avenida Antônio Carlos.
-Ah, passa sim! Pode ficar tranqüila que ele passa, minha filha.
-Ah, que bom! Obrigada!
Agora estava mais tranqüila. Era só esperar. Mas, que boa vontade tinha tido aquela senhora para com ela. Respondera com um sorriso tão amável, desses que não é tão comum assim em conversas com desconhecidos... Virou-se para ela mas, agora, sem o egoísmo de antes:

-O ônibus da senhora também passa aqui? (Numa espécie de pergunta idiota, daquelas que já se sabe a resposta)
-Passa sim, minha filha. É o ônibus que vai para o Bonfim. Tenho que ver mamãe, pois amanhã não vou poder ver ela.
-Que legal! Então a senhora ainda tem mãe? E ela mora no bairro Bonfim?
-Não, eu vou é levar essas flores no túmulo dela, no cemitério Bonfim.
Pausa. Má nota terrível, a menina pensou. Há pouco mais de um ano, ainda não conhecia de cor o nome de todos os cemitérios da cidade; lembrava-se só do da Paz e do da Boa Viagem. Agora a senhora com certeza iria desviar o olhar para a avenida por onde o ônibus viria, e não ia querer mais papo. Com razão. Surpreendentemente:
-Sabe menina, acho que hoje vou atrasar o almoço. Mas não posso deixar de ver mamãe, porque amanhã minhas filhas e netos vão almoçar lá em casa. Eu tenho um filho que mora comigo, ele é taxista sabe. Ah, mas ele pode pedir marmita também, se achar ruim.
-Ah, ele vai entender que é por uma boa causa.
-Pois é, vai sim. Aí amanhã vai aquele tanto de neto lá pra casa. Tive uma nora que morreu com 35 anos, quando meu neto tinha 9 anos. Hoje ele tem 15, e vai pra lá amanhã também.
-Então a senhora ajudou a olhar ele?
-Sim, ajudei. E meu marido já morreu faz tempo. Criei cinco filhos, e hoje...

Uma pequena aglomeração começara a se juntar no passeio. O 2004 estacionava próximo ao meio-fio.
-Ô senhora, eu preciso ir, meu ônibus chegou. Muito obrigada pelas informações. Um feliz dia das mães pra senhora, viu?
-Obrigada, minha filha. Você tem mãe?
-Graças a Deus, sim.
-Então mande um abraço pra ela.
-Mando sim!
-Qual é seu nome? O meu é Celina, minha filha.
A menina respondeu e abriu um largo sorriso, acenando com a mão, já nos degraus da porta do ônibus. Faltavam 5 para as uma. Ela estava com fome, o ônibus estava cheio e, o sol lá fora, de rachar. Mas ela tinha sido merecedora de confiança gratuita aquele dia. Se teve pagamento, foi apenas com um sorriso.
P.s.: Qualquer semelhança é mera coincidência.

10 comentários:

Caio Lemos disse...

ah, em ponto de onibus constumam informar na boa. mas gente mal humorada e mal educada existe em tudo quanto é canto.

vocÊ q pareceu aquelas velhinhas (e velhinhos) q semrpe puxam assunto quando sentam do lado da gente no ônibus =P

em tempo: medo de atrasar é uma merda, junto sempre rola aquela sensação de q n vai dar certo direito huHuauhAUHha

bjo coisa pequena, até amanha.

Caio Lemos disse...

o pior é q sou mt afobado. esperar, pra mim, é quase tortura =P

Carlos Jáuregui disse...

nesta vida, tem tantas coisas que parecem importantes, mas que podem esperar.... é só ter sensibilidade que começamos a discordar da lista de prioridades tão autoritaria que nos é imposta...

Dea disse...

Lindo!! Isso me aconteceu uma vez. Tava na fila do supermercado e uma gracinha de senhora me ofereceu uns bloquinhos daqueles de açúcar falando que ia levar para os netos sem eu esboçar uma palavra. É tão bonito esse tipo de troca. Ainda mais aqui, onde a gente se sente tao só.

Sâmia disse...

É mesmo Dea. Parece que é uma adoção gratuita e espontânea, que mesmo que seja só por um momentinho nos faz sentir bem.

Tô organizando um movimento "Dea volte a postar". Cê adere?

marigarcia disse...

Sâmia, texto fofo de-mais-da-conta. Só um comentário... "Sendo que, para variar, não tinha créditos em seu celular?". Se o DDD fosse 31 é provável que não teria esse problema.
No mais, adorei a Dona Celina. Ela é tão legal.
Beijo coisa pequena

Caio Lemos disse...

esse povo (leia-se a mari) fica me plagiando ¬¬'

Sávio disse...

bom, até que emfim deixo o comentário no seu blog.
Confesso que quando recebi seu "convite" para vir até aqui e dar minha opinião me senti lisongiado de um jeito diferente das maneiras que eu já tinha experimentado. Afinal é sempre bom ouvir alguem dizer que gosta de algo seu, no caso meu senso crítico e de opinião. Confesso tambem que fiquei um pouco preocupado se isso auqi seria mais um blog como os que comummente as pessoas insistem para você visitar e comentar, aqueles tipos sem graças, fúteis e arrisco a tachalos de burros. Não que essa seja minha visão da sua pessoa, muito pelo contrário, tenho até testemunhas que provem ao contrário, pois já me escutaram referir a você. Mas o fato é que são tantos convites para esses blogs chatos, que agente acaba se assustando só de ouvir falar m blogs.
Mas o fato é o seguinte, pelo contrário que meu medo esperava, confesso que o que vi aqui somente comprovou a minha ideia sobre sua pessoa. Um blog com textos inteligentes, com um certo senso crítico. Textos que chegam a me lembrar os do Grande Rubem Alves, pelo fato de narrar fatos cotidianos, deixando uma certa lição de moral. Mas por favor não vá ficar convencida, brincadeir. hehehhe.
Ah, outra coisa que me chamou a atenção aqui foi o fato, não sei se é realmente isso, foi de você fazer textos autobiográficos mas que não deixam isso transparecer com tanto fervor, fazendo com que eles possam ser tomados como textos impessoais. Deu pra entender?! Fato que é o que to tentando a dias para colocar no meu blog, mas não consigo, meus textos são extremamente autobiográficos, muito sentimentalistas, e ta complicado mudar.
No mais, depois desse imenso texto,que nem sei se consegui deixar muita coisa, quero deixar um imenso abraço!
E continue escrevendo pois mesmo que ninguem mais leia, eu gostei e vo continuar lendo. E tambem peço que dê uma passada la no meu blog para dar uma olhadinha, é o que falei, muito autobiografico e sentimentalista, então já vá esperando isso.

dani. disse...

que coisa mais linda! tá vendo? quando você escreve aqui bomba de comentário! continua sempre, tz: eu preciso dos seus textos!

Patrícia disse...

Uma palavra gentil e um sorriso não custam tanto assim, né? :)

Pena que nem todos se dão conta disso