quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Memória de elefante

Ela nasceu em 1969. Criada na política desde pequena, viu o funcionamento do AI-5, a anistia, a abertura, a eleição do primeiro civil para a presidência depois de duas décadas militares. Já grandinha, acompanhou também a promulgação da Constituinte, a primeira eleição direta pro Planalto, foi cara-pintada no impeachment, viu a chegada ao poder de um exilado político e, oito anos depois, a guinada inédita de um ex-operário metalúrgico ao posto político máximo no país.

Esta é Letícia, 40 anos, personagem-guia de uma reportagem do Jornal Nacional de hoje. Mas também poderiam ser Luizas, Marcelas, Renatas ou mesmo o próprio JN. Tanto faz. A matéria faz parte de uma série especial de reportagens "Jornal Nacional - 40 anos" e serve pra lembrar, mais uma vez, o quanto a televisão, o jornalismo e neste caso o próprio JN, tem papel fundamental na constituição de uma memória coletiva nacional.

Como para Letícia, também fazem parte da história familiar do JN momentos políticos fundamentais para a consolidação de uma das "maiores democracias do país", nas palavras de Fátima (a Bernardes). Foi uma criança obediente, por vezes apática (ou simplesmente conivente aos migos de infância), mas participou sempre, o que fez com que fornecesse aos brasileiros imagens inéditas de acontecimentos efervescentes. Inevitavelmente influenciou na construção desses próprios acontecimentos pra quem a assistia. (Re)Constitui assim uma memória grupal que não está pronta, e nem ficará, posto que é dinâmica por excelência. Ajudou a construir uma história política pro país, seja qual tenha sido.

Letícia não foi protagonista sozinha na reportagem de hoje. Dividiu a tela com Tancredo, Sarney, Itamar. Junto a amigos da velha guarda, pôde dizer o que representou pra ela a contagem de votos que impediram, ao menos provisoriamente, Fernando Collor de ocupar postos políticos no país. Nesse momento, o JN não me desamparou. Eu que, quando Aécio vibrou diante da promulgação da Carta de 88, ainda nem tinha sido concebida. Eu, com exatamente a metade de anos do JN, pude acompanhar cronologicamente a sequência de imagens de uma época que não vivi. Mas posso (re)viver.

Independente do quão bom isso seja ou não, eu me senti brasileira. Minha identidade nacional, aquela da qual tanto se fala, foi reafirmada. Mesmo que precise do JN para isso. Tomei novamente consciência daquilo que os livros de história, junto com meu avô, me contaram. Posso arriscar descrever a expressão de Cid Moreira quando afirmou que fora eleito no Brasil o primeiro presidente civil desde antes de 64. Sendo mais ousada, consigo dizer da confiança de Ulisses Guimarães levantando a Constituição para um Congresso que era só palmas. Não há como negar que a televisão, o Jornal Nacional, que bate ponto toda noite desde que Globo é Globo, (a emissora foi criada em 1965) ajudam a construir referências comuns aos membros de uma coletividade. Sentimento de pertença. Unidade, qualquer que seja, para um país de dimensões continentais, variado e fragmentário por natureza.

Um comentário:

Ju Afonso disse...

Gostei do post!

Sem dúvida, a Globo - e tantos outros meios de comunicação - fazem parte do nosso imaginário social. Tanto que eu, uma pessoa que nasceu em 1989, lembro da série Anos Rebeldes sempre que escuto falar dos anos 80. E eu nem vivi essa época! Mas construí uma imagem dela pra mim real a esse ponto!

Beijos!