domingo, 1 de novembro de 2009

De repente pode ser


Meu tio oscila entre a opinião contundente e uma maleabilidade que cabe bem a diferentes situações. E o faz entre um e outro prato de janta, que ele não fica sem nem em sexta-feira santa. Aliás, todas as sextas-feiras podem ser santas pra ele - desde muito novo, moço-menino, que ele religiosamente não arrisca carne no início do fim da semana. Me assegura que foi conselho do Papa Paulo VI, há muito tempo atrás. E me parece bem feliz comendo, dia anoitecendo ainda, um generoso prato de arroz, abóbora ralada, feijão e banana. O meu café com biscoitos de queijo e roscas de polvilho não o convence de que variar pode ser bom. Da mesma mesa em que come, afirma, rindo, que minha mãe agora virou capitalista porque se formou em Pedagogia. Pode ser que mamãe, ainda bem jovial às vésperas de uma aposentadoria no Estado, possa mesmo querer aumentar uns trocados na renda com o novo curso. E que mal há? Nenhum, o tio apressa em dizer. É pura brincadeira. Na verdade, ele acredita que bacanas mesmo são as grandes firmas que geram emprego pra muita gente. Isso sim. Completa com uma risada característica. Na rua, não deixa nunca de me lembrar que eu o peça a benção. É sagrado, e mesmo do outro lado da rua ele é capaz de atravessar para me concedê-la. Em dias de pós-jogo do Cruzeiro, um dos fanatismos de meu pai, ele sempre traz na bagagem comentários pra compartilhar com ele. E a cada opinião incisiva de meu pai, que lê e escuta diariamente futebóis, meu tio profere uma palavra de apoio, concordância e partilha de opinião. Também se preocupa com a provável gota de meu pai, que passou o dia inteiro com o pé apoiado na almofada da sala. Ligou e pessoalmente se prontificou a acompanhá-lo até a clínica, a apenas dois quarteirões de distância. Meu pai, topetudo, esqueceu-se da gota quando os analgésicos surtiram efeito.



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