sábado, 10 de janeiro de 2009

Política do não-desperdício

-No Manifesto Antropofágico, Oswald de Andrade propunha um novo entendimento da cultura brasileira. Para se fortalecer, ela deveria deglutir (por isso a metáfora ao canibalismo) o que fosse de "fora", misturar com o que fosse de "dentro" e criar, assim, novas formas de afirmação cultural - era mais ou menos o que as professoras diziam.

Confesso que, quando eu estudei pela primeira vez o movimento modernista e, particularmente, o Manifesto Antropofágico oswaldiano, há uns bons anos, eu não tinha muito a real dimensão do processo. Até que eu entendia o conceito, a metáfora com o Bispo Sardinha, a proposta modernista em linhas gerais. Sim, o Manifesto representava o desejo de determinada parcela dos intelectuais brasileiros por uma identidade cultural própria, em detrimento a toda forma de imperialismo cultural, principalmente se observarmos que o Brasil "comemorava" o contenário de sua independência política. No entanto, eu não enxergava o fenômeno cotidianamente, por assim dizer. Meu estoque de exemplos restringia-se àqueles citados pelas professoras ou os lidos nos livros, apostilas e afins.

Aos poucos eu fui percebendo a dimensão dessa antropofagia na cultura brasileira. E, tomando a ousadia de eu mesmo "deglutir" essa noção e expandir o gesto antropófago para fora dos limites da arte, penso que muitas coisas estão "comendo" as outras, a toda hora, sempre. É claro que nem sempre o objetivo é aquele modernista, o de afirmar uma identidade, ou criar uma nova. O "comer" se dá por diversas razões. Mas, que "deglutem", eles "deglutem".

Nas formas tradicionais de arte, os próprios modernistas brasileiros se encarregaram disso. E, em outras manifestações culturais, também deu-se conta do recado. Na música, talvez o exemplo mais contundente no Brasil tenham sido os tropicalistas. E, como que num metamovimento, também escutamos influências desse experimentalismo na música (em algumas, claro) de hoje. Da mesma forma, certos músicos de hoje definem a seu próprio estilo como uma mistura de elementos musicais regionalistas. No cinema, quase todo cineasta (ou todo?) admite influência de outros. Então, os planos cinematográficos de hoje carregam resquícios de outrora E por aí vai.

E a indústria da comunicação? Alguns juram que nem adianta falar nisso, que os media não são sinônimo de cultura. Mas, se considerarmos que 97% das casas brasileiras têm televisão, por exemplo, é mesmo prudente negar que eles são parte dos hábitos culturais brasileiros? Penso que não, né. Na televisão, estão o tempo todo deglutindo. As grades de programação guardam uma semelhança não-declarada entre si. Programas estrangeiros são "aproveitados" aqui dentro, salvas as devidas especificidades, é claro. Como já dizia um certo comediante brasileiro de tempos idos, "na televisão nada se cria, tudo se copia". E na tv comercial isso é bastante compreensível até. Faz mesmo sentido copiar experiências exitosas de outras horas. O apelo comercial é forte e elas precisam se virar. A corrida não tem fim.

Os devaneios poderiam se estender. O assunto dá pano não só para manga, mas para uma muda inteira de roupa. E será que qualquer influência, cópia ou mesmo plágio se constitui numa apropriação? É um tipo de deglutição cultural? Não sei. Ainda estou aberta a influências de outrem.



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